Admar Lopes no Vasco: Lições de Bordeaux e a Nova Gestão Esportiva

A chegada de Admar Lopes à diretoria executiva de futebol do Vasco da Gama não se deu por acaso. Um dos pilares que sustentaram sua contratação foi, inegavelmente, sua vivência em agremiações que atravessavam complexos processos de reestruturação financeira. Antes de aportar na capital fluminense, o dirigente enfrentou um dos cenários mais exigentes na carreira de qualquer profissional da área: liderar um clube à beira da insolvência.

O Abismo Financeiro do Bordeaux: Um Cenário Sem Precedentes

De 2021 até meados de 2024, Admar Lopes atuou como diretor técnico do Bordeaux, na França, testemunhando de perto os anos mais sombrios da história da tradicional instituição. Imersos em gravíssimas dificuldades financeiras, os "Girondins" chegaram a ter sua falência decretada em julho do ano passado e sofreram o rebaixamento para a última divisão do futebol nacional.

A punição imposta foi uma consequência direta da reprovação das contas do clube pela Liga Francesa (LFP). Com a queda de patamar, o respeitado time do sul do país, hexacampeão da elite francesa, perdeu, inclusive, o certificado que atesta sua condição de clube profissional. Esse foi o pano de fundo para a atuação do executivo português.

"Foi uma grande honra representar um clube desta dimensão no pior período da história. Esportivamente não foi incrível, mas foi razoável dentro das limitações que tínhamos. A forma que o futebol francês está organizado em termos de Fair Play financeiro é diferente do brasileiro. Tivemos dificuldades em contratar jogadores, mas entendo que, com as vendas que fizemos, o trabalho foi positivo. Infelizmente, as questões foram dívidas antigas, falta de investidor, e o clube acabou por viver este inferno por questões administrativas, e não esportivas"

Admar Lopes, então com 37 anos, assumiu o cargo em Bordeaux em julho de 2021, concomitantemente à aquisição do clube por Gerard López. A parceria entre os dois já havia sido testada no Boavista, em Portugal, outra equipe pertencente ao empresário, na temporada anterior. O cenário inicial, contudo, trouxe um choque de realidade imediato.

Os Desafios da Gestão e o Clima de Desolação

Com problemas financeiros significativos, o Bordeaux encerrou a primeira temporada de Admar na lanterna do campeonato nacional, com apenas 31 pontos. Em declarações à imprensa francesa na época, o próprio diretor reconheceu a ocorrência de "vários pequenos erros" que culminaram na queda para a segunda divisão. Em uma carta aberta aos torcedores, o presidente do clube chegou a descrever o ambiente no vestiário daquela temporada como "absolutamente detestável".

A derrocada em campo agravou a já delicada situação financeira, resultando na diminuição de receitas cruciais, como as cotas de televisão. Em junho de 2022, o clube sofreu sua primeira sanção devido às adversidades econômicas. O Bordeaux teve suas contas reprovadas pela Direção Nacional de Controle e Gestão (DNCG) da Liga Francesa e foi rebaixado para a terceira divisão. Contudo, a agremiação conseguiu, posteriormente, reverter a decisão e permaneceu na segunda divisão nacional.

As dívidas pretéritas, mencionadas por Admar Lopes em sua apresentação no Vasco , eram um tema recorrente nas entrevistas do proprietário do Bordeaux. Em uma carta aberta direcionada à torcida nas redes sociais, Gerard López afirmou que o passivo total ao assumir o clube em 2021 ultrapassava os 100 milhões de euros, acumulados na gestão anterior. Em resposta, o Bordeaux implementou uma drástica redução de gastos, visando diminuir o endividamento, conforme declarado pelo próprio presidente e proprietário do clube.

A Recuperação Judicial e o Relato de um Colapso

Ao longo dos anos de Admar Lopes no clube, o Bordeaux empreendeu uma busca incessante por um novo investidor. Com custos fixos elevados, a equipe enfrentou dificuldades para se desfazer de jogadores com salários altos e sem valor de mercado em seu primeiro ano na segunda divisão. Em campo, o desempenho da equipe do sul da França decepcionou na reta final da competição, amargando mais um ano longe da elite.

O fraco desempenho esportivo e o vultoso passivo acumulado, entretanto, afastavam potenciais investidores sólidos para os Girondins. Enquanto buscava novos aportes, Gerard López revelou que utilizava recursos próprios para manter o clube em operação, sem que esses valores fossem adicionados à dívida. Assim como o Vasco , o Bordeaux, então, entrou oficialmente com um pedido de recuperação judicial. O Tribunal de Comércio de Bordeaux acatou a abertura do processo em julho do ano passado.

Eric Frosio, jornalista francês do L'Équipe, que acompanhou de perto a gestão de Admar Lopes no Bordeaux e o declínio vertiginoso de um dos clubes mais tradicionais do país, compartilhou sua perspectiva. Ele revelou que o noticiário da época trazia relatos de escassez de elementos básicos no dia a dia do clube, tamanha a gravidade da situação financeira.

"Depois da gestão do Gerard, o Bourdeaux afundou, foi um fracasso. Chegou a ter 121 milhões de euros de dívidas, o que explica essa queda para a quarta divisão. Quanto ao Admar, foram muitas escolhas ruins, nenhum jogador se destacou. A torcida estava muito chateada com ele porque ele tinha um salário enorme, quase 500 mil euros por ano, enquanto alguns jogadores e funcionários não recebiam."

Frosio detalhou o nível de precariedade:

"Chegou a ter 86 funcionários demitidos nesses últimos meses, não tinha nem gasolina para colocar nas máquinas para cortar o gramado, nem papel higiênico, isso foi divulgado pela imprensa".

"Foi horrível. Basicamente é isso. Foi uma gestão dramática. A dívida não foi culpa do Admar, mas do Gerard"

Na temporada 2024/2025, o Bordeaux terminou apenas em quarto lugar no Grupo B da quarta divisão nacional, não conseguindo o acesso e postergando por pelo menos mais um ano sua longa caminhada de retorno à elite.

O Calejamento para o Vasco: Lições de uma Jornada Árdua

A experiência em Bordeaux, embora dolorosa, é vista por Admar Lopes como um período de intensa formação. A passagem por um ambiente tão adverso, onde a sobrevivência do clube estava em jogo diariamente, forjou um profissional mais preparado para enfrentar cenários complexos. É com essa bagagem que ele se apresenta ao Vasco , um clube que, apesar de suas próprias turbulências, oferece um contexto distinto.

"O aprendizado foi grande, eu era mais jovem e hoje venho mais calejado para situações deste tipo. Minha relação com a torcida sempre foi boa. O Vasco vive uma situação difícil, mas tem maior estabilidade emocional e esportiva em relação ao timing que vivi no Bordeaux. Acho que estou preparado"

A capacidade de navegar por águas tão turbulentas, de tomar decisões sob extrema pressão e de gerir expectativas em um ambiente de escassez, são atributos que Admar Lopes traz para São Januário. O desafio no Vasco é monumental, mas a perspectiva de que as lições de Bordeaux ? sobre resiliência, gestão de crise e a importância de uma base administrativa sólida ? possam ser aplicadas, oferece um fio de esperança para a reestruturação do Gigante da Colina.