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Clássico dos Milhões: A História Revelada da Rivalidade Vasco x Flamengo
Por Redação FutVasco em 21/09/2025 12:12
A afirmação, proferida incansavelmente pelo ex-presidente vascaíno Eurico Miranda, de que "Flamengo e Vasco é um caso à parte", sintetiza com precisão a aura mística que envolve um dos maiores confrontos do futebol brasileiro: o icônico Clássico dos Milhões. Mas como é possível que dois clubes centenários, cujas origens remontam a uma modalidade esportiva tão distinta do futebol, tenham forjado uma rivalidade de tamanha intensidade? A verdade por trás dessa saga se estende muito além das quatro linhas de um campo.
As Raízes Aquáticas: O Início da Disputa
A gênese dessa rivalidade notável encontra-se nas águas, na prática do remo, apenas alguns anos após a fundação dos clubes ? o Flamengo em 1895 e o Vasco em 1898. Apesar de ter sido estabelecido mais tarde, o Club de Regatas Vasco da Gama rapidamente se tornou sinônimo de conquistas na modalidade. Por outro lado, o Rubro-Negro amargou mais de duas décadas de espera até erguer seu primeiro título no remo, em 1916, um contraste que já delineava uma disputa acirrada entre as instituições.
Com a ascensão do futebol em ambos os clubes, a rivalidade, antes confinada aos remos, transbordou para os gramados. Esse fenômeno foi impulsionado significativamente pelo cenário histórico da época. Conforme explica o historiador Walmer Peres em entrevista ao ge, o processo de construção do Clássico dos Milhões é multifacetado.
A Transição para os Gramados: Um Novo Palco para a Contenda
? A gente pode falar que um dos maiores rivais do Vasco no remo, na década de 1910, era o Boqueirão. Mas por estar naquele estado de competitividade, por se relacionar dentro do campo esportivo, havia uma rivalidade entre o Vasco e o Flamengo. No futebol, ela vai atingir um novo patamar, uma nova etapa ?
relata o historiador, sublinhando a evolução natural de uma disputa já existente para um novo e mais amplo palco.
Para além da esfera puramente esportiva, a relação entre Flamengo e Vasco , naquele período, espelhava também um embate de ideologias. O Brasil vivia os anos da Primeira República, um contexto marcado por um forte sentimento anti-lusitano ? uma corrente de pensamento que se opunha à presença de portugueses no país e que se alinhava à valorização da cultura popular, frequentemente associada ao Flamengo. Em meio a esse ambiente, o Vasco , fundado por portugueses e com um elenco predominantemente composto por negros, operários e indivíduos de classes menos favorecidas, tornou-se alvo de diversas sanções e resistências.
Além do Esporte: Confronto de Ideais e a Luta por Inclusão
A mais severa dessas restrições surgiu após a memorável conquista do primeiro Campeonato Carioca pelo clube, em 1923. Naquela temporada, que marcou a estreia do Vasco na elite do futebol carioca, o time superou o Flamengo no que foi o primeiro grande confronto entre os dois gigantes nos gramados, assegurando um título inédito. Contudo, a glória foi seguida por uma retaliação: Flamengo, Botafogo, Fluminense, América e Bangu uniram-se para fundar a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA).
A AMEA impôs uma série de regulamentos que visavam explicitamente a exclusão de atletas. Entre as cláusulas, proibia-se a participação de jogadores analfabetos ou que exercessem profissões consideradas "subalternas" ou que aceitassem gorjetas. Para ter sua inscrição aprovada, o Vasco seria obrigado a dispensar doze de seus jogadores ? sete titulares e cinco reservas, a maioria deles negros e de origem humilde. Diante da imposição, o clube se recusou veementemente a ceder e, em resposta, redigiu um dos documentos mais emblemáticos de sua história: a Resposta Histórica, oficializando seu desligamento da AMEA.
A Resposta Histórica: Um Legado de Coragem e Princípios
"São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glórias"
declara um trecho do documento, em português da época, que ecoa a firmeza e os princípios do clube em defesa de seus atletas.
Com o passar dos anos e a crescente popularização do esporte, Vasco e Flamengo consolidaram-se como os clubes com as maiores torcidas do estado do Rio de Janeiro ? uma realidade que perdura até os dias atuais e que, por si só, justifica o apelido do clássico. Essa imensa base de fãs apenas intensificou uma rivalidade que já havia se manifestado nos tempos do remo. Nas décadas de 1970 e 1980, os embates épicos entre os maiores ídolos de cada clube, Zico pelo Flamengo e Roberto Dinamite pelo Vasco , arrastavam mais de 100 mil pessoas aos estádios, especialmente ao Maracanã, criando espetáculos inesquecíveis.
O Apelido que Virou Lenda: Ídolos e Multidões Inesquecíveis
Até hoje, o confronto entre Vasco e Flamengo detém o recorde de mais jogos com mais de 100 mil pagantes no estádio. Dos 175 jogos que registraram essa marca no Maracanã, 36 foram protagonizados pelos dois clubes, evidenciando a magnitude histórica desses encontros.
Maracanã: Palco de Encontros Monumentais
Abaixo, uma seleção dos jogos com as maiores audiências:
| Data | Jogo | Público Pagante |
|---|---|---|
| 4/4/1976 | Flamengo 1 x 1 Vasco | 174.770 |
| 22/12/1974 | Flamengo 0 x 0 Vasco | 165.358 |
| 17/10/1954 | Flamengo 2 x 1 Vasco | 162.506 |
| 6/12/1981 | Flamengo 2 x 1 Vasco | 161.989 |
| 6/5/1973 | Flamengo 1 x 0 Vasco | 160.342 |
| 1/5/1968 | Flamengo 2 x 1 Vasco | 155.098 |
| 29/9/1977 | Flamengo 0 x 0 Vasco | 152.059 |
| 17/1/1959 | Vasco 1 x 1 Flamengo | 141.045 |
| 24/4/1977 | Flamengo 0 x 3 Vasco | 134.787 |
| 13/6/1976 | Vasco 1 x 1 Flamengo | 133.444 |
| 8/6/1969 | Flamengo 1 x 1 Vasco | 131.256 |
| 10/8/1986 | Vasco 2 x 0 Flamengo | 127.806 |
| 7/8/1975 | Flamengo 0 x 1 Vasco | 125.988 |
| 7/10/1956 | Flamengo 1 x 1 Vasco | 123.063 |
| 14/12/1952 | Vasco 1 x 0 Flamengo | 122.810 |
| 15/4/1979 | Flamengo 2 x 1 Vasco | 122.596 |
| 4/11/1956 | Flamengo 1 x 0 Vasco | 122.509 |
| 15/9/1982 | Flamengo 0 x 0 Vasco | 122.481 |
| 8/5/1983 | Flamengo 1 x 1 Vasco | 121.353 |
| 20/4/1986 | Flamengo 0 x 2 Vasco | 121.093 |
| 10/1/1954 | Flamengo 4 x 1 Vasco | 121.007 |
| 17/9/1978 | Flamengo 0 x 0 Vasco | 120.655 |
| 3/12/1978 | Flamengo 1 x 0 Vasco | 120.433 |
| 29/3/1958 | Flamengo 1 x 1 Vasco | 120.165 |
| 28/10/1979 | Flamengo 3 x 2 Vasco | 115.943 |
| 22/2/1970 | Flamengo 2 x 0 Vasco | 114.928 |
| 9/8/1987 | Vasco 1 x 0 Flamengo | 114.628 |
| 5/12/1982 | Vasco 1 x 0 Flamengo | 113.271 |
| 5/5/1983 | Vasco 1 x 2 Flamengo | 111.260 |
| 27/2/1994 | Flamengo 1 x 3 Vasco | 107.999 |
| 2/10/1955 | Vasco 3 x 0 Flamengo | 104.843 |
| 7/8/1977 | Flamengo 0 x 0 Vasco | 104.560 |
| 29/1/1978 | Flamengo 0 x 0 Vasco | 102.322 |
| 28/6/1992 | Flamengo 1 x 1 Vasco | 101.343 |
| 23/9/1982 | Flamengo 1 x 0 Vasco | 100.967 |
| 25/10/1953 | Flamengo 3 x 3 Vasco | 100.222 |
Eurico Miranda: O Catalisador da Chama Rival
Outro elemento de peso que intensificou essa rivalidade foi a figura de Eurico Miranda , ex-dirigente e ex-Presidente do Vasco . No auge dos anos 1990 e 2000, os dois clubes foram protagonistas de embates repletos de controvérsias e gols, sempre acompanhados de provocações mútuas e frases que se eternizaram no imaginário dos torcedores, como a célebre: ?O Vasco não entra em competição nenhuma para disputar. O Vasco entra na competição para ganhar. E é para ganhar, vou dizendo logo, em especial, do Flamengo?.
? A figura do Eurico é a de um impulsionador dessa rivalidade, nas décadas de 1980, 1990, 2000, e isso aquecia a rivalidade. Ele mostrava que o maior rival do Vasco não é o Fluminense, não é o Botafogo, é o Flamengo. E vice-versa. É a maior rivalidade do estado do Rio de Janeiro e do Brasil ?
complementa Walmer Peres, reforçando o papel central de Miranda na exacerbação dessa disputa.
A partir de então, a atmosfera do "Clássico dos Milhões" foi profundamente transformada, elevando ainda mais uma rivalidade que já contava com mais de um século. Alheio a momentos específicos e a disparidades financeiras, Flamengo x Vasco demonstrou, ao longo de sua trajetória, ser verdadeiramente um campeonato à parte. Nas arquibancadas, a troca de "gentilezas" é entoada a plenos pulmões por ambas as torcidas, que buscam exaltar a história de seus clubes e provocar o adversário, em um ritual que se renova a cada encontro.
Com diferentes aspirações na tabela e para a temporada, Flamengo e Vasco se enfrentam não apenas em busca dos três pontos, mas pela conquista simbólica de um dos troféus mais historicamente valorizados por ambos os clubes: a vitória no Clássico dos Milhões.
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